terça-feira, julho 18, 2006

A Administração Morreu! Viva o Marketing

14-07-06 - A administração morreu. Não porque tenha deixado de existir. Não porque tenha deixado de fazer sentido. Não porque não exista a necessidade dela ou porque já não existam administradores. A administração morreu porque foi ultrapassada pelo marketing.
O marketing é uma ciência da realidade que conta já com cem anos de vida. Foram cem anos galopantes, desde o seu nascimento num âmbito predominantemente empresarial, até à convergência para uma ciência organizacional mais global, com âmbitos de aplicação tão extensos como são atualmente. Em 1903, na universidade do Wisconsin, D. Jones publicava o estudo sobre a “A Evolução dos Métodos em Marketing” e em 1913, H. Taylor publicava “O Marketing Cooperativo de Gado no Wisconsin”, por exemplo.
O marketing é inexistente durante a Revolução Industrial, essencialmente porque não existia necessidade dele. O foco das atividades empresariais e científicas associadas era a produção. Este era o ”driver” do desenvolvimento da engenharia, para produzir mais produtos (produtos diferentes e em maiores quantidades), mais duráveis e de formas tecnicamente viáveis.
Posteriormente, a maturidade da Revolução Industrial estimulou também o desenvolvimento da administração para procurar registrar e controlar as atividades, estimar e encontrar as economias de escala desejáveis e coordenar a multiplicidade de tarefas necessárias e de recursos empregados para a atividade produtiva ou de criação de valor, que é o seu objetivo final.
É de se destacar também o desenvolvimento concomitante da administração financeira, que tende a desenvolver-se inicialmente nas economias mais liberais e baseadas nas forças de mercado (tal como o marketing), uma vez que os grandes projetos de engenharia e industriais necessitam ser dotados de capitais de investimento, reunidos ao abrigo da promessa de serem devolvidos acrescidos de remuneração. Dinamizam-se assim as atividades de angariação e mediação de capitais, corporizados e desenvolvidos com a instituição das bolsas de valores.
Encontramos no desenvolvimento da administração o nascimento do marketing. Este surge inicialmente com o seu foco direcionado para as vendas. Era necessário colocar nos mercados a produção em massa, crescente. Esta derivava do desenvolvimento e exploração das economias de escala que possibilitam custos unitários progressivamente mais baixos, que permitem vender cada vez mais produtos a preços incrementalmente reduzidos e ainda assim, proporcionar lucros mais elevados (é o milagre da gestão industrial).
Desenvolveram-se assim: a publicidade, a comunicação, as relações públicas, a gestão e dinamização de equipas de vendas, as técnicas de vendas entre outras áreas de intervenção da ciência do marketing.
Mais recentemente, com a massificação das produções industriais e a entrada na era da abundância de produtos (na qual, genericamente, a oferta global num mercado é superior à procura global nesse mercado), foi necessário ao marketing reorientar a sua atenção e socorrer-se de mais e mais diversas ferramentas, desenvolver novas metodologias e criar novos padrões e métricas de análise e diagnóstico. Mas agora, completamente centrados nos clientes.
Na verdade, hoje em dia, o marketing não é mais uma técnica de comercialização dos produtos nos mercados de destino. Nestes cem anos o marketing evoluiu para áreas completamente distintas das que lhe deram origem. Esta evolução foi exponencial porque resultou de um crescimento orgânico e de âmbito do marketing.
Por um lado o marketing socorreu-se do “framework” científico, primeiro da administração e depois de outras ciências (sociais ou humanas e matemáticas), para validar as suas metodologias de diagnóstico (estudos de mercado, estatística, macroeconomia, cálculo-financeiro e modelos econométricos); para garantir a replicabilidade de modelos e teorias e controlar a desempenho das ferramentas de intervenção corretiva (marketing estratégico, marketing operacional, comportamento do consumidor etc.).
Por outro lado, o marketing ampliou o seu âmbito de aplicação, utilização e validação, para outras tarefas e funções que não só as ligadas às atividades empresariais. Passou também a desbravar por mérito próprio, novos caminhos e horizontes em áreas onde a criação de valor e a entrega desse valor a quem dele necessita são as funções críticas. Neste sentido, temos atualmente o marketing político, o marketing social, o marketing estratégico, o marketing industrial, o marketing operacional, o marketing de serviços, o “marketing one to one”, o marketing de relacionamento, o marketing público, entre outros, que podemos encontrar em empresas comerciais, de serviços, industriais, entidades públicas, associações e ONGs.
Desta forma, o marketing tendo claramente nascido do desenvolvimento da ciência da gestão, atualmente evoluiu. Primeiro ganhando espaço dentro da gestão, depois autonomizando-se e distinguindo-se dela. E finalmente ganhando preponderância sobre a gestão.
Esta conquista de importância verifica-se porque o marketing consegue dar um sentido, uma orientação à administração. A gestão através das suas ferramentas habilita os seus profissionais a conjugar ou a decidir entre recursos – por definição escassos – e com isso obter resultados (criação de valor). Mas o marketing vai mais longe, antes de se apropriar da administração (isto é utilizar as ferramentas e métodos da gestão), o marketing primeiro descobre o que é necessário; o que desejam os consumidores (o mercado alvo) ou destinatários de uma mensagem e que pode ser bem feito (com vantagens competitivas) pela empresa ou organização com os seus recursos totais (disponíveis e mobilizáveis).
Desta forma dá um sentido para a ação da administração, ou um sentido para a criação de valor. No “momento da verdade” da gestão, as opções feitas entre recursos (ou ações) passam a ter uma orientação, ou um sentido, em função dos objetivos que foram definidos, com base naquilo que se identificou como as necessidades (latentes ou explícitas) do mercado alvo.
O marketing está hoje em dia em todas as funções, tarefas e papéis, dos sistemas de trocas de mercado e em geral nas economias das democracias ocidentais. Em resultado das economias de escala e reduções de custos proporcionados pelo desenvolvimento tecnológico em geral e das TIs em particular, que permitem novos produtos de maior valor e mais baratos. O marketing identifica necessidades e expectativas dos consumidores, adequando melhor os produtos já existentes, ou criando mesmo novos produtos e serviços.
Desta forma gera-se e usufrui-se de uma maior procura dos bens e serviços, que geram novas reduções de custos (economias de escala e curva de experiência). O milagre industrial – que não pode ser confundido com a “armadilha industrial” que se verifica quando se procura reduzir os custos unitários de produção através do aumento da quantidade produzida - pode realizar-se quando a gestão das empresas persegue princípios éticos de responsabilidade social e de “governança” que garantem eqüidade de remuneração ou compensação entre os vários grupos de interesse (stakeholders) que rodeiam a empresa (ou organização).
(*) Fernando M. Caria é licenciado em Organização e Gestão de Empresas, pelo ISEG – Instituto Superior de Economia e Gestão da UTL – Universidade Técnica de Lisboa. É pós-graduado em Marketing Management pelo ISEG. Pode ser contatado pelo endereço eletrônico fernando.caria@netcabo.pt
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